AI: a capacidade da máquina aprender a linguagem humana
A capacidade do software entender a linguagem humana e de aprender a partir de uma fonte de dados universal já não é uma utopia. E, tal como Bartolomeu Dias, é hoje possível dobrar o cabo da ficção e descobrir novas terras (programadas), mares (inteligentes) e culturas (tecnológicas).
A Inteligência Artificial (AI) em escala consiste em treinar grandes modelos de Machine Learning para adquirirem a capacidade de resolver problemas globais e que possam ser aplicados nos mais variados domínios, como, por exemplo, o reconhecimento de voz e imagem. Por oposição de abordagem, os modelos mais especializados são treinados para resolver problemas muito específicos e de utilização mais restrita.
Para as empresas que acompanham a crescente evolução tecnológica e digital, os modelos em escala podem significar uma revolução na forma como é extraída inteligência dos dados de negócio e como são construídas funcionalidades cada vez mais inteligentes.
AI: a evolução da Inteligência Artificial
No início dos anos 90, quando Bill Gates fundou a Microsoft, fez uma afirmação pouco credível para a época: "computers will one day see, hear, talk and understand human beings”. As ideias visionárias são sempre discutíveis até ao momento em que se tornam uma realidade presente na vida das pessoas. Foi isso que aconteceu com a evolução da AI durante a última década.
Esta evolução marcada por acontecimentos relevantes e outros que podem passar despercebidos à análise dos menos atentos no campo da AI, representa um acontecimento tão extraordinário como o de Bartolomeu Dias, em 1488, quando dobrou o Cabo das Tormentas e se tornou o primeiro explorador europeu a abrir caminho para outras terras, mares e culturas.
O primeiro momento marcante ocorreu em 2014 quando Eugene Goostman passou no teste de Turing. Eugene Goostman foi o primeiro chatbot a passar no teste de Turing, que apresentava a finalidade de avaliar a capacidade de um computador comunicar com um humano de forma "indistinguível". Em junho de 2012, no evento que marcou o centésimo aniversário de Alan Turing, Goostman venceu a competição promovida como o maior concurso de testes de Turing de todos os tempos, no qual convenceu, com sucesso, 29% dos juízes de que era um humano. Em junho de 2014, no concurso que marcou o 60º aniversário da morte de Alan Turing, 33% dos juízes pensaram que Goostman era um humano. Este acontecimento validou a previsão de Alan Turing no seu artigo "Computing Machinery and Intelligence" de 1950, em que, até o ano 2000, as máquinas seriam capazes de enganar 30% dos juízes humanos após cinco minutos de conversa.
Pelo caminho, surgiu ainda o reconhecimento de objetos em imagens, a transformação de voz em texto e interpretação de comandos, a tradução de voz para vários idiomas em tempo quase real, os serviços e as plataformas de Machine Learning de aplicação generalizada e o enorme contributo da Cloud e do Mobile que potenciaram todos estes acontecimentos pela possibilidade da utilização em massa destas tecnologias.
Este percurso foi realizado pelas grandes tecnológicas da época, como a IBM, Microsoft, Google, Apple, Facebook, Amazon e tantas outras. Estas tecnológicas criaram os serviços e as plataformas que as empresas aplicam, hoje, na resolução de problemas nos domínios de conhecimento onde são especializadas.
No entanto, o principal evento, aquele que abre mais e maiores perspetivas em relação ao futuro da AI é aquele que foi recentemente apresentado pela Microsoft no Build 2020 e que a IBM também já está a trabalhar desde 2011 com o famoso Watson: a capacidade da máquina "entender" a linguagem humana e de "aprender" a partir duma fonte de dados universal.
Parece algo banal, mas está longe disso. Significa um abrir de terras, mares e culturas igualável ao de Bartolomeu Dias em 1488. Trata-se tão somente de dar ao computador a tarefa de "ler" uma quantidade verdadeiramente grande de "livros" sobre um determinado domínio de conhecimento e, após algumas horas, esperar que ele tenha aprendido a matéria e possa responder naturalmente às perguntas que os seres humanos lhe colocam usando a linguagem natural. É possível imaginar algo assim? É como ensinar uma pessoa desde criança até à sua vida adulta, desde a escola primária até à universidade, mas em poucas horas. Eis a ficção já vista em filme e considerada uma extraordinária utopia!
AI at Scale no mundo dos negócios
Como podem as empresas tirar proveito destes modelos treinados em escala? Será que esses modelos poderiam aprender sobre uma base de conhecimento com os factos da vida corrente de uma empresa? No campo das empresas especializadas em software de gestão, o que poderiam as soluções de software ERP oferecer com esta tecnologia?
Tendo como exemplo a PRIMAVERA, e admitindo que existiria, hoje, ao dispor um modelo em escala, quando, através do sistema é emitida uma fatura, são gravados em base de dados os valores associados à transação e as referências para as entidades envolvidas. Mas essa transação também poderia dar origem a uma frase em linguagem natural, criada por um processo automático.
No fundo, seria algo como: "Em de junho de 2020, o cliente Rosa Maria, da localidade de Coimbra, comprou um artigo "Roupeiro de Criança” no valor de 179€, dois artigos "Cama de Criança (..)”, no valor total de 550€". Para um caso de uso dos Recursos Humanos: "A remuneração do João Faria foi revista em março de 2019 com um aumento de 5%". Este processo, aplicado a várias áreas, desde os Recursos Humanos ao Customer Care, impulsionaria gradualmente a história de cada empresa, cliente e colaborador.
Este acervo de informação corresponde aos dados que o modelo em escala necessita para aprender "tudo" sobre uma empresa ou uma pessoa, de forma a poder responder, posteriormente, no contexto das funcionalidades do ERP. Por exemplo, quando o utilizador está a tentar interpretar um dashboard e se questiona o que terá acontecido em junho de 2020 para que as vendas tenham um valor tão baixo, a máquina poderia responder com "Em junho de 2020, a maior venda foi do cliente Rosa Maria, de Braga, no valor total de 550€ e de mais 10 clientes no valor total de 1250€. Nessa altura o mundo enfrentava a maior pandemia do século, devido ao vírus COVID-19, o que obrigou os países a suspenderem a sua atividade económica."
A última parte da explicação pode ser adquirida com a alimentação da base de conhecimento com informação externa do contexto político-social. As possibilidades são imensas.
Em conclusão,
O desempenho do Watson na final do concurso Jeopardy em 2011 ou, mais recentemente, a fabulosa explicação acerca da AI at Scale, apresentada no evento Microsoft Build 2020, são exemplos da capacidade de aplicação de AI no mundo dos negócios.
É claro que esta tecnologia ainda vai demorar o seu tempo a ser disponibilizada como um serviço ou plataforma sustentável para uma utilização comum e generalizada nos vários contextos das nossas vidas. Mas a antevisão das oportunidades que a AI pode oferecer para os próximos anos é importante para alinhar o rumo da viagem e ir ao encontro do que se está a fazer a nível mundial.